domingo, 30 de agosto de 2009

Florações

Há cidades que são capazes de cada coisa para quebrar a monotonia paralela de suas ruas e de sua história, de uma maneira que encanta sempre, ainda que poucos olhos deem de verdade agora com o que estão vendo.

Agosto. Muitos de nós não soubemos e outros tantos ainda resistem e não querem nem saber por que os ipês este ano adiantaram em uma, duas semanas a sua floração. Apenas nos extasiamos todos da cor espessa deste excesso de amarelo que nunca excede. Há outras cores, mas o amarelo se impõe. E imita sobre os muros dos quintais a rebeldia dos galhos das buganvílias, manchando a vida de cor.

Caminhando pelos cantos cada vez menos geométricos da cidade, professamos pelo menos por um instante que há sempre em nós coragem ou fragilidade – que importa a exatidão? – para acolher o anúncio deste tempo alinhavado de luz.

Houve quem, no entanto, reclamasse a passagem deste ano. Ontem ainda o encorpado vestido, hoje, novamente a nudez. E em quase nada a ossatura exposta dos galhos que hoje habitam os olhos lembrariam a floração de uns dias atrás.

E a cidade nos abandona em nossa nostalgia da cor passada. Silente. Como se não fosse mais se mover em busca de uma outra cor antes da próxima floração. E cai sobre a calçada e em nossos olhos a noite que se escreve para além do tempo.

A noite desinventa quase todas as diferenças, quase todas as cores, enquanto gesta outras tantas diferenças e cores.

Amanhece a penúltima segunda-feira deste agosto econômico em flores. Mas há quem prescinde tanto delas quanto das palavras. E é nela que penso agora que meus olhos de súbito voam de um canto ao outro de cada uma das ruas aqui do centro. Por que insisto enfrentá-la de minha paixão por flores e palavras? Que gosto há nestes desejos? Que desejos há nesta renúncia de palavras e flores?

De ambos os lados dos cais nasceu poesia do silêncio e da solidão de uma noite mantida às margens da cidade, por vezes, à revelia do brilho do dia. Como quem sabe a estação exata. O tempo de duração de certas eternidades não necessariamente precisa senão do infinito de sua brevidade própria, do tempo da escrita de sua passagem. E uma nova floração se abre sobre a página da cidade, múltipla em palavras que ao dorso ou ao curso da língua até podem ser lidas flores. Serão?

Ah, você que pode prescindir de flores e palavras, aceite apenas por mais estes dias esta cidade escrita que trago em minhas mãos e nos meus olhos e que ainda ouso te oferecer. Por nada quase – não fosse pela tua reprovação neste sorriso que sei ilumina sua alma.

(Nilo da Silva Lima)

[Em homenagem aos jovens poetas e escritores das oficinas literárias do Felit - Festival de Litertatura de São João del-Rei - num reconhecimento de sua diferença dos demais festivais literários]

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Fernando Pessoa...

Primeiro Fausto - O mistério do Mundo

Basta ser breve e transitória a vida

Para ser sonho. A mim como a quem sonha,

E escura pesa a certa magoa

De ter que despertar - a mim, a morte,

Mais como o horror de me tirar o sonho

E dar-me a realidade, me apavora,

Que como morte.

(...)

Sim, este mundo com seu céu e terra,

Com seus mares e rios e montanhas,

Com suas arvores, aves, bichos, homens,

Com o que o homem, com translata arte,

De qualquer construção divina fez...

(...)

O pensamento da hora inevitável

E a verdade da morte me confrange.

Pudesse eu, sim, pudesse, eternamente

Alheio ao verdadeiro ser do mundo,

Viver sempre este sonho que é a vida!

¨...)

Quantas vezes, pesada a vida busco

No seio maternal da noite e do erro,

O alivio de sonhar, dormindo; e o sonho

Uma perfeita vida me parece

(...)

Porque depressa passa. E assim é a vida.